sábado, 19 de setembro de 2009

Essa coisa de voar é a maior viagem








É sempre o mesmo ritual. Nas mil filas que temos que passar, confesso para alguém desconhecido que tenho pânico de voar. A pessoa - que provavelmente também tem - diz que o número de acidentes aéreos é bem menor do que os terrestres. É engraçado, parece que realmente acredita que dizendo isso, meu medo vai passar.

Até logo, boa viagem. Agora ao lado de outro desconhecido, o momento sem volta está muito próximo. Melhor pensar em alguma coisa para distrair. Quantos aviões estão no ar naquele momento? Tem até congestionamento aéreo. Fila para sair. Fica até quente e abafado, igual no trânsito. Por quê o meu é que seria o escolhido? Acho que não. Eu nem tive aquelas premonições que dizem que toda pessoa que muda de andar tem. Tranquilo.

Aperte os cintos, cuide da bagagem, dê um sorriso amarelo ao seu vizinho como se fosse descolado e achasse que turbulência até ajuda a embalar o sono. Mas disfarce bem quando for enxugar a mão suada.

Tripulação, decolagem autorizada. Não tem mais volta. Saiu do chão...

Num milionésimo de segundo revejo a toda minha vida e concluo que sou feliz. Umas primeiras lembranças não muito hierarquizadas aparecem. Depois, outras mais óbvias. Bate uma tristeza do que podia ter sido, mas uma sensação de não importar mais. Muita saudade. Saudade de gente, de lugares, de cheiros, de comida, de arrepios, de sofrer de amor, de gozar de amor, de ser feliz, de ser triste, de cantar, de rir, de ir, de vir, de ficar, de sentir saudade.

Se posso olhar pela janela, enfrento o medo. Gosto quando tem o curso de algum rio. Principalmente se for dos grandes. Francisco, Araguaia, Paraguai. Como fazem curvas. Qual a cor. Lembro-me que eles sempre vão pro mar. Acho isso tão bonito, dá saudade de praia também. A mente rapidamente planeja alguma coisa. Se entra no meio da nuvem, perco o ar. D á vontade de puxar as famosas máscaras de oxigênio que graças a Deus até hoje nunca caíram sobre a minha cabeça. Vista liberada. Mudança de paisagem...nossa...obrigada, não tenho asas, mas posso voar!

A cada nova paisagem na memória, mais rumos pedem para ser explorados. Muda o barulho. Alerta, um mal estar. Desacelerou. Tá descendo. Até que foi rápido. Norte, sul, oeste. No leste, o outro mundo. Sai e está fazendo 44 graus. Atravessa duas fronteiras e, ao lado, brinca com neve.

Tripulação, pouso autorizado.

Aperto os cintos. Guardo as idéias. Deixo para depois o planejamento das mil coisas que inventei no espaço entre a certeza absoluta da minha morte naquele vôo e a saudade da vida que ainda quero viver. Aterrisagem completada. Respiro fundo e derreto de felicidade na poltrona, por perceber que gosto de estar com os pés bem firmes no chão. Agora, a minha alma e coraçao é melhor que fiquem mesmo nas nuvens.